No passado, um esquadrão de cavalaria hipomóvel marchava um dia inteiro na estrada, com mais de 150 cavalos dos mais variados perfis e tipos de cernelha (garrote), utilizando o mesmo tipo de sela em todos.
Raramente, muito, muito raramente, algum cavalo feria o lombo. E olha que ia muita coisa na sela. Sabe por que? Porque se sabia encilhar.
Nos grandes altos (grande parada durante o deslocamento), onde os sargentos e os tenentes faziam a inspeção no seu pessoal e cavalhada, caso algum cavalo tivesse ferido o garrote seria desencilhado passando a prosseguir puxado pelo cabresto, conduzido pelo seu cavaleiro (agora a pé), o qual ainda ia também levando a sela e todo arreamento na mão, durante o restante da marcha. Alguém dirá: ignorância! Grosseria! Coisa de milico! Ou qualquer coisa pejorativa que o ego ferido possa pensar... Mas o cavalo certamente agradeceu, posto que, com o mesmo cavaleiro e com a mesma sela, em outras marchas mais fortes ainda, nunca mais feriu o lombo.
Então é porque tinha jeito... o cara foi quem relaxou ou não concedeu ao encilhamento a solenidade que merece. Foi obrigado a aprender ou inventou uma solução sob constrangimento, da mesma maneira conforme constrangeu o cavalo no episódio em pauta.
Há, realmente, selas muitas boas voltadas para a atividade desportiva, principalmente na modalidade de salto. Pode-se mesmo fazer uma sela apenas para determinado cavalo, pagando-se (se puder), para esta excentricidade (o que na verdade seria o ideal).
Mas não se pode querer que uma sela resolva aquilo que gente não sabe fazer.
Encilhar é uma arte que pode ter sido perdida por esta geração de tratadores e cavaleiros, na média geral do Brasil.
Tenho 2 selas. Iguais. Por elas passam uns 5 cavalos por ano há mais de quatro anos. Com a mesma sela, cada um tem sua encilhagem personalizada, pelo que o conhecimento permite. Seja no trabalho de estrada, seja no salto ou no picadeiro, nenhum cavalo fere o garrote.
A sela Patricia está habilitada a resolver qualquer problema, desde que se saiba colocá-la. Encilhar não é jogar sela por cima, conforme se vê por aí. É uma coisa muito delicada, e a mão de quem encilha tem que sentir o dorso inteiro.Tem que perceber a sela por baixo e imaginar o atrito ocorrendo... tem que fazer uma calha muito boa na manta e se certificar de que ela não vai correr.
Pode-se mesmo colocar um pedaço de plástico com vaselina na parte mais proeminente da cernelha, etc, etc, mil recursos... Encilham nas hípicas, nos clubes, como quem estupra e depois tome de apertar, apertar, apertar ... Aí querem selas que resolvam os problemas que não existem a não ser pela falta de conhecimento.
"Manda encilhar meu cavalo”, dizem. E aí vai aquele funcionário que pode mesmo nunca ter montado e está completamente divorciado do fenômeno que ocorre no lombo do cavalo... e encilha como se lhe tivessem mandado colocar um toldo na varanda. E o ''bacana", com sua equitação deficiente (geralmente estribos curtos, porque neles se sente melhor, sem perceber que o problema é sua falta de assento e descontração dos rins) acaba, ao longo do tempo, por ferir a cernelha do cavalo. Aí diz que a sela não presta...
OBS: se você não vai saltar alto, não tem a menor recomendação para loros curtos.
Para desencilhar é a mesma coisa.
Vou dar uma dica: na hora de desencilhar, nunca tire a sela de uma vez. Solte a barrigueira, levante a sela e a manta um pouco, para o ar passar por baixo, e só tire a sela quando tiver havido algum tipo de refrescamento. Isso evita derrames, nevralgias e uma série de mazelas que podem ser criadas no ato de tirar-se à sela, ficando o cavaleiro pensando que o problema foi fruto do trabalho realizado.
Encilhar é uma coisa tão importante que deveria ser sempre feito pelo próprio cavaleiro, a menos que tenha um auxiliar de extrema confiança.
O negócio é não ferir o garrote. Depois de ferido, esperar o pleno restabelecimento, propiciando ao cavalo outro tipo de trabalho (guia, salto em liberdade, etc), ao mesmo tempo em que se reflete sob as causas e se descobre qual o ajustamento a ser feito na encilhagem.
Neste ínterim é recomendável uma massagem com óleo de amêndoa, 3 vezes ao dia, em torno da parte lesada, para provocar um fluxo de sangue no tecido em torno da ferida, o qual propiciará uma cicatrização de baixo para cima, evitando a criação de uma falsa casca que iria se romper de novo ao primeiro atrito.
Pode haver as selas mais caras do mundo, eu admiro... Mas nem o dinheiro pode substituir o os benefícios de um correto aprendizado.
Cavalier
Muito bom esse texto!
ResponderExcluirexcelente recomendação!
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